quinta-feira, 14 de julho de 2011

Acesso à moradia II: Alguns pitacos



Vou continuar a tratar do tema moradia, o acesso à projetos habitacionais para pessoas de baixa renda é uma loteria, e quando se é "sorteado" na maioria das vezes o "projeto" fica em um local distante da cidade, não tem escola, posto de saúde, area de lazer,etc.

Normalmente a desistência dos primeiros moradores é grande, ( como foi no projeto Promorar, cerca de 80% das pessoas que vieram morar no início desistiram), isso se deve a vários fatos, vou enumerar alguns:

1- Violência: São centenas de famílias, sem nenhum vínculo que de uma hora pra outra vão morar no mesmo bairro, os conflitos aumentam e surgem espaços para alguns se sobreporem pela força.

2- Distância dos parentes: A maioria dos casais com filhos trabalha e nesses loteamentos raramente há uma creche pública para deixar os pequenos, se morassem próximos os parentes se ajudariam e em caso de doença a proximidade com o restante da família conta muito.

3-Falta de acesso a serviços básicos como saúde, educação, segurança.

Na verdade os projetos habitacionais pouco mudaram ao longo dos anos, continua a segregação das famílias de baixa renda, me parece que o objetivo ainda é esconder a pobreza, para o estado habitação é só una casa ou apartamento e basta, o acesso a serviços essenciais é negligenciado, a fiscalização peca, pois muitas vezes surgem problemas de estrutura nas construções por uso de material de baixa qualidade.

Pra não comentarem que só critico, coloco algumas sugestões: A construção de projetos que levem em conta a origem das famílias e que fossem próximos a esses locais, ao invés de construir uma nova vila com 400, 600 famílias, fazer projetos espalhados pela cidade, assim essas famílias além de ficarem próximas onde moram, teriam acesso aos serviços já existentes; diálogo e participação das famílias na execução desses projetos habitacionais.

O acesso á moradia é um direito fundamental, garantido na constituição, para garantir esse direito muitas vezes as pessoas têm de recorrer a ocupações de terras e são criminalizadas e vítimas de preconceito, são chamadas de invasoras e o discursos nos meios de comunicação de massa muitas vezes coloca essas famílias como um bando de oportunistas e aproveitadores que merecem que a polícia tire a pontapés. Que em todo o grupamento humano não há só "santos" isso é obvio, porém tratar um problema social como problema de polícia generalizando com uma visão deveras preconceituosa aí já são outros "500".

Abaixo segue texto sobre o acesso a terra, que ajuda a refletir sobre o assunto:

Concentração de terras, uma injustiça que se perpetua no Brasil.

Delze dos Santos Laureano

Macunaíma passou mais de seis anos sem falar. Quando o incitavam, exclamava: — Ai! Que preguiça!... (Mário de Andrade).

Também fico assim, com preguiça, quando tenho de explicar de novo a mesma coisa. Todavia, é recorrente! Quando ouvimos a notícia da ocupação de terras por famílias que lutam por moradia ou trabalho, vem a mesma ladainha do senso comum: “O motivo é justo, o que não podemos apoiar é a violência, é a invasão de terra que já tem dono!”Ora, violência são a falta de informação e o preconceito. A grande mídia criminaliza os movimentos sociais que lutam pela posse da terra e os trabalhadores desinformados repetem o discurso das elites. Invasores são os grandes proprietários, rurais e urbanos, pois todo latifúndio resultou de privilégios obtidos junto ao poder do Estado ou da omissão dos governantes em exigir o cumprimento das leis, inclusive o pagamento dos impostos. Na melhor das hipóteses essas terras são fruto de herança, cuja transmissão ocorre com insignificante tributação, o que perpetua a desigualdade entre as pessoas e encobre os favorecimentos anteriores. Desafio alguém que me prove ter comprado e mantido um latifúndio nos moldes legais com dinheiro ganho honestamente e sem o favorecimento público.Precisamos conhecer melhor a história de ocupação do nosso território e a forma como as mesmas elites controlam as propriedades no nosso país. Assim vamos entender a razão porque, mesmo sendo o Brasil um país de dimensão continental, os pobres não têm acesso a terra para trabalhar e morar.A história da ocupação do nosso território determinou o modelo de concentração das terras existentes. Somente em 1850, já no Segundo Império, foi que tivemos a primeira lei brasileira a tratar do direito de propriedade. A conseqüência disso foi o cerco da terra que, infelizmente, passou a ser adquirida somente mediante compra. Se por um lado essa Lei 601/1850 exigiu a medição e o registro das terras - decisão justa -, por outro impediu aos trabalhadores o acesso à posse, especialmente os ex-escravos.A exigência da medição e registro foi sistematicamente ignorada pelos grandes proprietários e governantes. Porém, isto tem uma conseqüência legal. Quem não registrou as outorgas de Sesmarias caiu em comisso, ou seja, perdeu o direito sobre elas que passaram a ser terras devolutas, que são terras públicas, destinadas, nos termos da Constituição de 1988, para a política agrícola e de reforma agrária.Mas, vamos imaginar que o proprietário tenha medido e registrado essas terras. Assim, toda a extensão, desde a confirmação do registro, deveria estar cultivada ou aplicada a alguma atividade agrária, cumprindo o que determina a lei. O cumprimento da função social é uma exigência legal existente desde a promulgação do Estatuto da Terra, Lei 4.504/64. Nos dias atuais, a Constituição Federal, no Art. 186, diz que todo imóvel deve, simultaneamente, cumprir as obrigações legais quanto ao uso nos aspectos econômico, ambiental e social. A sanção para o descumprimento dessas obrigações é a desapropriação do imóvel para fins de reforma agrária.Necessário aqui ressaltar que mesmo a exigência de cumprimento do aspecto econômico, que é a produtividade do imóvel, tem sido sistematicamente negligenciada pelo Governo Federal, sob pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional. Os índices utilizados são ainda da década de 1970, o que permite a manutenção de atividades de baixa produtividade como é o caso da pecuária de extensão, uma das mais atrasadas de exploração agropecuária do país por ocupar extensas áreas, causando sérios danos ambientais e exercendo enorme pressão sobre as áreas de floresta nativa para a abertura de novas pastagens. Além de tudo isso gera poucos postos de trabalho.Os demais incisos do Art. 186 também são abusivamente desrespeitados. Inúmeros são os conflitos agrários que resultam na morte de trabalhadores. Os criadores de gado e as empresas do agronegócio fustigam as comunidades tradicionais, como ribeirinhos, extrativistas, indígenas e quilombolas. A degradação ambiental e o trabalho escravo são sistematicamente ignorados pelo Poder Judiciário - como motivo para a desapropriação -, que normalmente sacraliza o direito de propriedade ou a produtividade do imóvel. Esvazia-se deste modo os demais aspectos da função social da terra.É bom refrescar na memória também que imensas áreas foram doadas às empresas nas décadas de 1960 a 1980. Os militares, utilizando-se do mecanismo de renúncia fiscal, incentivaram grandes empresas estrangeiras a aplicarem no desenvolvimento rural para contrapor à reforma agrária. O desenvolvimentismo fez com que empresas como a Volkswagen, uma fabricante de automóveis, passasse a ser dona de grandes áreas na Amazônia. Em 1988, o legislador constituinte estabeleceu, no Art. 51 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -, um prazo de três anos para a revisão de todas as alienações e concessões de terras públicas acima de três mil hectares realizadas naquele período. Contudo, isso nunca foi feito.Estudos mostram ter ocorrido durante a ditadura militar o maior êxodo rural já registrado, quando mais de 40% da população rural foi expulsa do campo para as periferias das grandes cidades. A propriedade da terra ficou ainda mais concentrada, enquanto uma massa de trabalhadores sem qualificação para o trabalho urbano passou a disputar um posto de trabalho e moradia nas grandes cidades.Na teoria jurídica, a propriedade compõe-se de dois aspectos, um subjetivo que é o registro do imóvel no Cartório, e o outro objetivo que é fato do uso. Este, comprovado por meio do cumprimento da função social. O critério objetivo é o modo de o proprietário retribuir à sociedade o benefício legal que lhe permite o uso exclusivo do bem. Juridicamente, então, um imóvel que não cumpre a função social está vazio. Ninguém tem a sua posse. Como conseqüência lógica não pode o Poder Judiciário, apenas com base no registro, mandar reintegrar na posse quem está descumprindo a lei. Por estas razões não podemos dizer que são invasores os trabalhadores que lutam por esse direito. Invasores são aqueles que possuindo apenas o registro intitulam-se legítimos proprietários e ainda por cima, descumprindo a função social, reivindicam em juízo a proteção possessória.Até quando vamos fechar os olhos para a concentração de terras, essa que é uma das maiores fontes de injustiça social no Brasil? Temos de dar um basta a essa realidade que se perpetua desde a colônia. Precisamos apoiar a luta pela democratização da terra. Precisamos defender e apoiar os que lutam pelo direito fundamental da moradia. Precisamos lutar ao lado dos camponeses que produzem os alimentos que vêm para a nossa mesa, protegendo o meio ambiente e fazendo a justiça que traz a paz social.

Nova Lima, MG, Brasil, 25 de junho de 2011.

Delze dos Santos Laureano é advogada, professora universitária de Direito Agrário, mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da UFMG, doutoranda em Direito Público Internacional pela PUC/Minas.

E-mail: delzesantos(0)hotmail.com">delzesantos(0)hotmail.com. Site: www.delzesantoslaureano.blogspot.com

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